segunda-feira, 9 de julho de 2018

A CANDIDATURA AVULSA

Trata-se de um breve raciocínio histórico, jurídico e filosófico sobre a exclusividade partidária (Art. 14, § 3º, V da CF), da história da vedação da candidatura avulsa no Brasil, da necessidade de mudança no sistema eleitoral brasileiro e da busca pelo aperfeiçoamento da democracia no nosso país.

INTRODUÇÃO

Em junho de 2013, manifestações contra o aumento da passagem do transporte público desencadearam uma onda de protestos por todo o país. Na medida em que a participação popular foi crescendo, as pautas foram se diversificando e, no seu ápice, milhões de brasileiros saíram às ruas para lutar contra a malversação do dinheiro público, corrupção e a má qualidade dos serviços públicos. A indignação contra partidos, políticos, corrupção de forma geral, violência policial e até mesmo contra a Copa do Mundo foram temas recorrentes. Esses protestos chegaram a repercutir nacional e internacionalmente. Alguns especialistas avaliaram que as manifestações contaram com mais de 80% da aprovação dos brasileiros. Era raro ligar a televisão e não ser bombardeado por reportagens e notícias dos protestos que durante o restante do ano, tomou boa parte do tempo das emissoras de rádio, televisão e quase que completamente as mídias sociais.

A regra, durante aquele período, foi políticos eleitos serem quase sempre hostilizados nos aeroportos, restaurantes e festas. Na tribuna do senado, parlamentares que outrora eram manifestantes, reclamavam da proibição imposta pelos cidadãos que participavam dos protestos; políticos ou partidários não eram bem-vindos nas manifestações. Não demorou muito para que alguns políticos eleitos começassem a reclamar e dissonar de seus próprios partidos. O cenário político nacional entrou em crise.

Por mais óbvio que fosse, o Congresso Nacional, completamente perdido e atordoado, tentava entender o que estava acontecendo e promoviam constantes discussões. Deputados, Senadores, lideranças políticas, cientistas políticos sondavam alguma forma de descobrir qual o ponto nevrálgico dos problemas que incomodavam tanto a população brasileira. Diante daquela conjuntura, muitos afirmaram com veemência que era hora de uma reforma política. De forma absolutamente genial, nossos congressistas concluíram que o modelo estabelecido não conseguia refletir a verdadeira vontade popular. A partir daí alguns políticos começaram a defender abertamente a necessidade de reforma política e uma das "novas" mudanças seria a possibilidade da candidatura independente, ou seja, aquela candidatura sem filiação a nenhuma agremiação partidária.

Poucas discussões no nosso país caminham para frente, é sabido que em muitos casos elas andam em círculos. No caso da candidatura independente, o Brasil deu muitos passos (largos) para trás.

1. BREVE HISTÓRIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS

Tanto na Grécia quanto na Roma Antiga dava-se o nome de partido a um grupo de seguidores de uma ideia, doutrina ou pessoa. A palavra "partido" em um sentido mais estrito e que se usa hoje é atribuída a François Marie Arouet (1694 - 1778), um pensador francês conhecido como Voltaire, grande satírico e zombador da bíblia, dos apóstolos e dos padres. Foi ele que continuou com as discussões em torno dos conceitos de "facção" e "partido".

Havia necessidade de superar a palavra facção, pois ela era vista sempre como algo pejorativo. Voltaire desenvolveu outro termo para representar uma organização ou grupo social que "desejasse liderar politicamente uma sociedade". Desta forma, o pensador sugeriu "partido", tendo em vista que a palavra não seria sempre vista como algo ruim, ao contrário de facção.

De fato, a palavra "partido" vem do latim, verbo partire, significa dividir, separar, partir. A palavra que se usava anteriormente estava mais para seita, do verbo secare, significando separar, cortar, dividir. Partido, portanto, transmitia a ideia de parte. Quando parte se torna partido, de acordo com Sartori, transforma-se em uma palavra com duas influências semânticas: a derivação de partire, dividir e "tomar parte". Quando o termo "partido" entrou no vocabulário político, o termo "seita" estaria mais ligado a religião, principalmente ao sectarismo protestante, durante o século XVII.

Posteriormente Marx e Engels estabeleceram elementos filosóficos para, dessa forma, organizar partidariamente a ideologia de classe. Apesar disso, são raras as vezes em que se encontra a palavra "partido" nos fundamentos do comunismo científico. Um exemplo patente disso é que no Manifesto do Partido Comunista é encontrada apenas uma citação:
“O proletariado organizado em classes, e em partido político, é constantemente abalado pela competição entre os próprios operários. No entanto, sua organização nasce cada vez mais forte, mais firme, mais poderosa”.
Não é de se espantar, muitos pesquisadores afirmam que "em seus primórdios, os partidos eram hostilizados pelos governos e ignorados pela legislação". No dizer de Georges Burdeau:
“Não gozavam de boa fama junto aos teóricos da democracia clássica; eram considerados fatores de divisão incompatíveis com a unidade e a homogeneidade da nação”.
De fato muitos pensadores, teóricos e até mesmo a opinião pública enxergavam os partidos políticos dessa forma, entretanto, existiu um contraponto conservador proposto por Edmund Burke (1729 - 1797), político, filósofo, teórico político e eloquente orador. Para ele, a ideia de que partidos políticos eram facções estava equivocada, pois os partidos, para Burke, eram na verdade conexões que buscavam um fim político. Foi seguindo esse raciocínio que ele formulou a definição clássica de partido político, qual seja:
“um grupo de homens unidos para a promoção, através de um esforço conjunto, do interesse nacional, com base em algum princípio determinado com o qual todos concordam. Os partidos são instrumentos necessários para que planos comuns possam ser postos em prática”.

A aplicação da palavra "partido" no sentido que conhecemos hoje passou a ser utilizada a partir do século XIX. Ainda que não se confundisse mais partidos com facções, a classe cidadã ainda entendia partidos como sendo meramente tendências de opiniões, clubes, até mesmo associações de pensamentos, mas nunca como partido propriamente dito.

Somente entre os séculos XIX e XX se passou a enxergar agremiações partidárias como entidades políticas organizadas, cujos integrantes teriam intenção de ascenderem ao poder por via eleitoral. Deixaram, portanto, de representar meramente uma reunião de indivíduos e passaram a representar algo maior, como instituições representativas de caráter permanente buscando aplicar determinado programa ideológico, sendo via legal e autêntica de representação popular.

1.1. OS PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

A primeira eleição que se tem notícia do território brasileiro ocorreu em 1532, na Vila de São Vicente, ainda não tínhamos partidos no formato que conhecemos, portanto, foi feita basicamente de modo avulso. Ainda assim, durante o Primeiro Império (1822 - 1831) dizemos que tínhamos dois grandes partidos: os conservadores e os liberais. O primeiro representava os interesses rurais dos grandes fazendeiros da época, e o segundo representava as elites intelectuais e comerciantes. Essas duas classes juntas formavam basicamente a elite patrimonialista (e minoritária) daquele período.

Durante o Segundo Império (1840 - 1889), o poder político era repartido entre o rei Dom Pedro II e o partido monarquista, os republicanos, as oligarquias rurais e regionais. Os partidos políticos ainda eram vistos com certa desconfiança. Naquela época as candidaturas avulsas eram amplamente permitidas e, em muitos casos, eram tidas como regra. Mesmo com o golpe de 1889 (extinguiu o partido monarquista), quando a República foi proclamada, sem nenhuma proclamação e por quem não acreditava nela, a situação não mudou muito. Na verdade, Manoel Deodoro da Fonseca, o fundador da República, teria dito em uma carta endereçado ao sobrinho:
"República no Brasil é coisa impossível, porque será uma verdadeira desgraça. Os brasileiros estão e estarão muito mal educados para os republicanos. O único sustentáculo do nosso Brasil é a Monarquia; se mal com ela, pior sem ela."
De fato as oligarquias supracitadas continuaram representando o que, supostamente, era a vontade popular e continuou dessa forma durante toda a República Velha (1889 - 1930). A profecia do não republicano que "proclamou" a república estava correta, pois depois do golpe de 1989 tivemos uma sucessão de golpes e nenhuma constituição, até hoje, durou mais que a do império.

O movimento político de 1930 (Revolução de 1930), ocorreu quando houve a destituição de Washington Luís (1926 - 1930) e a ascensão de Getúlio Vargas ao governo do país, não trouxe nenhuma ruptura, ou transformação abrupta, nos quadros políticos. O poder continuava nas mãos das oligarquias estaduais. Mas percebeu-se a necessidade de formação de um tipo de identidade eleitoral. O processo político ganharia nova forma, pois o governo provisório criou uma comissão de reforma da legislação eleitoral, cujo trabalho deu origem, em 1932, a elaboração do primeiro código eleitoral do Brasil, por meio do Decreto nº 21. 076. Foi a partir daí que passamos a adotar o voto secreto, o voto feminino e o sistema de representação proporcional de votação. Em maio do mesmo ano, foi instalado no Rio de Janeiro, então capital do nosso país, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e criou os Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) em todas as unidades da federação.

O que merece ser anotado é que foi no Código Eleitoral de 1932 que, pela primeira vez, a legislação eleitoral fez referência a partidos políticos e as candidaturas avulsas continuaram sendo permitidas. A lei nº 48 de maio de 1935, modificou o código eleitoral, manteve as candidaturas independentes, mas impôs o mínimo de apoio para que o cidadão pudesse se candidatar de maneira avulsa. Essa lei não chegou a entrar em vigor, pois em Novembro de 1937, Getúlio Vargas deu início ao Estado Novo (1937 - 1945), extinguiu a Justiça Eleitoral, aboliu os partidos políticos e suspendeu as eleições livres.

2. O FIM DAS CANDIDATURAS INDEPENDENTES E O INÍCIO DA DITADURA DOS PARTIDOS

Durante todo período do Estado Novo (1937 - 1945), Getúlio Vargas governou sem partido e sem congresso. Não haviam partidos, nem eleições, mas os militares pressionavam para que houvesse uma abertura democrática no país. Getúlio usou a constituição de 1937, que tinha a previsão de eleições diretas e editou a Lei Constitucional nº 7586 de 1945 (lei Agamenon). A lei trouxe três pontos principais:
  1. A exigência de Partidos Políticos de âmbito Nacional.
  2. o mesmo candidato poderia se candidatar por diversos Estados diferentes. Poderia se candidatar para presidente, deputado e senador ao mesmo tempo e por mais de um partido.
  1. A vedação das Candidaturas Avulsas.
Foi a primeira vez na história do Brasil que as candidaturas independentes foram proibidas.

A medida, tomada depois de um longo período sem democracia ou qualquer tipo de participação popular, preservou a elite política no poder, já que impedia novos anseios populares e limitava o surgimento de novos nomes na política. Criou-se as regras para iniciar-se o jogo político partidário que conhecemos hoje, pois Getúlio, já com receio da intervenção dos militares, criava a outra parte de seu plano, os dois grandes partidos políticos que manteria ele no poder, o PSD (Partido Social Democrata) e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).

Getúlio Vargas, por exemplo, nas eleições de 2 de dezembro de 1945, foi eleito senador no Estado do Rio Grande do Sul pelo Partido Social Democrático (PSD) e no Estado de São Paulo pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e, ainda, a deputado federal pelos estados da Bahia, Rio de Janeiro, Distrito Federal (antigo estado da Guanabara), São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, sempre pelo mesmo partido, o PTB.

O PTB reunia a população urbana e a massa operária, conduzida pelos sindicatos que eram controlados pelo próprio Getúlio Vargas e o PSD foi criado para abrigar as oligarquias locais (os coronéis), que elegeria Eurico Gaspar Dutra (com o apoio de Getúlio), seria o partido dominante na assembleia constituinte que elaboraria a Constituição de 1946 e ajudaria a eleger o Vargas novamente presidente em 1950. Um novo código foi promulgado (Lei 1.164/50), esse vigorou até 1964. O alistamento dos eleitores passou a ser obrigatório, todo cidadão maior de 18 anos deveria retirar seu título de eleitor. Nessa época o governo varguista sofreu grande pressão popular, o presidente que já tinha entrado na história, saiu da vida após dar um tiro no próprio peito em 1954.

As mudanças na legislação eleitoral foram acontecendo timidamente a partir daí. O Regime Militar (1964 - 1985) tento em vista as limitações impostos pela constituição de 1946. Foi aí que surgiu a figura dos Atos Institucionais 1 e 2. Eles modificaram as regras para futuras eleições e concederam as Forças Armadas a prerrogativa de suspender direitos políticos e cassar mandatos legislativos, além disso, permitiam a demissão de servidores públicos acusados de improbidade administrativa. O AI-2, por exemplo, permitiu a existência de duas associações políticas nacionais e nenhuma delas poderia usar a palavra "partido". Criou-se então a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), que foi a base da sustentação civil do regime militar, formada majoritariamente pela UDN e egressos dos já conhecidos PSD e MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Cabia ao MDB fazer uma oposição de faixada. Dessa forma, manteve-se uma remota impressão de democracia e a continuação da proibição das candidaturas avulsas.

Depois foi estabelecido o AI-3 que estabeleceu eleições diretas para governadores dos Estados e da União, visando dificultar novos nomes ao poder, especialmente os de oposição. O AI-4 convocou o Congresso Nacional para votar uma nova Constituição, a de 1967. Depois o famoso AI-5 que suspendeu o direito de habeas corpus e permitiu que o Presidente da República decretasse estado de sítio e praticasse intervenção nos estados sem nenhum tipo de limite constitucional.

A partir a vitória da oposição em 1974, houve uma abertura lenta, adotada pelo presidente Ernesto Geisel, que passou gradualmente pela retomada das liberdades de organização partidária. Não se ouviu falar mais de candidatura independente.

Depois das Diretas-Já, de 1984 cada partido começou a buscar seu próprio caminho e no lugar da agora extinta ARENA surgiram o PFL (Partido da Frente Liberal) e PPB (Partido Popular Brasileiro). Do MDB emergiram o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), o PSDB (partido Social-Democrático Brasileiro, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o PDT (Partido Democrático Trabalhista), e o PT (Partidos dos Trabalhadores).

Em 1985 surgiu a Nova República, mas como dito no último parágrafo da introdução deste texto: "poucas discussões no nosso país andam para frente". O Brasil andou mais uma vez em círculos e nada fez além de institucionalizar e legitimar as oligarquias com a desculpa de que estava pluralizando as ideias.

E foi assim que em 5 de outubro de 1988, elaboraríamos nossa constituição vigente (7ª Constituição do nosso país), onde , por algum motivo, recepcionamos na constituição democrática, no artigo 14º § 3, inciso V, aquela velha medida de uma época antidemocrática, pois aceitamos a obrigatoriedade da filiação partidária como condição de elegibilidade, colocando, portanto, nas mãos de entidades privadas, não só bilhões do dinheiro público, mas a exclusividade de controle e acesso a vida pública.
Hoje contamos com a existência de 35 Partidos Políticos, sendo que três deles foram criados em 2015: O partido Novo (NOVO), Rede Sustentabilidade (REDE), Partido da Mulher Brasileira (PMB).
 
3. PRINCIPAIS AÇÕES CONTRA A EXCLUSIVIDADE PARTIDÁRIA

Muitos parlamentares já se manifestaram contra a necessidade de vinculação partidária como requisito obrigatório para pleitear cargos eletivos. Não é algo novo. O Ex-presidente Itamar Franco (1930 - 2011), quando senador, ainda durante a constituinte para elaboração da CF de 1988, se posicionou a favor do que chamou de "candidatura cidadã".

Mais recentemente o Senador Paulo Paim (PT-RS) salientou em um de seus discursos no Senado Federal:
"Ao demonstrar essa minha preocupação (com a independência em relação aos partidos) eu falo que isso não é de hoje. Lá na Constituinte eu já defendia. Defendi e perdi. Me submeto democraticamente ao resultado [...] como senador eu apresentei a emenda constitucional de minha autoria em 2006 [...]. Essa renovação positiva deve ser olhada com carinho e respeito e é o encontro disso que vem a proposta que apresentei…".
Em 2011, o mesmo senador, apresentou outra proposta de Emenda Constitucional, mas recebeu parecer contrário da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O eminente senador salientou em uma de suas defesas a flexibilização eletiva:
"É preciso ampliar o debate, alargar os espaços políticos sempre fortalecendo a democracia. Não é necessário integrar o mundo da política partidária para saber disso. Saber disso, todo brasileiro atento as coisas do nosso dia a dia sabe, por isso eu considero importante que a Constituição da República passe a permitir a apresentação de candidaturas avulsas a cargos eletivos. Sendo proibidas as candidaturas avulsas, como ocorre hoje, o Brasil deixa de potencialmente contar com vários homens e mulheres capazes e de alto espirito público que são afastados do mundo da política".
Em 2012 o Senador Cristovam Buarque (PPS-DF) apresentou a PEC 7/2012. Sua proposta foi de que qualquer cidadão pudesse disputar eleição sem a obrigatoriedade da vinculação partidária e defendeu que o povo anseiava por eaquele tipo de mudança, entretanto, cerca de uma no depois, após as manifestações que tomaram as ruas, o senador foi muito mais além e sugeriu a extinção dos partidos políticos. De acordo com o parlamentar em seu discurso no Senado em 21 de junho de 2013:
“Nada unifica mais hoje todos os manifestantes (referindo-se aos movimentos de rua de 2013) do que a ojeriza, a desconfiança, a crítica aos partidos políticos. Talvez essa seja a hora de que estão abolidos todos os partidos políticos".
Em 2013, a Ex-senadora Marina Silva, à frente da articulação para criar um novo partido (que existe desde 2015), defendeu o lançamento de candidaturas eleitorais sem vínculos a partidos. Para ela, a candidatura sem dependência partidária é uma forma de oxigenação da política e de fazer com que novas lideranças possam ocupar novos espaços. Afirmou também que isso enriqueceria a democracia.
Posteriormente o Senador José Reguffe (PDT-DF) apresentou a PEC 6/2015, que também foi rejeitada. De acordo com o Senador, no seu discurso na tribuna do Senado, em 03 de fevereiro de 2015:
"Uma grande parcela da população brasileira hoje não acredita em partido político nenhum. É justo e democrático que essas pessoas possam colocar as suas ideias e tentar fazer essas suas ideias serem representadas. Por que que só pode disputar eleição quem é filiado a partido político? Essas pessoas que não acreditam em partido político nenhum tem que ter a sua cidadania castrada? Cidadania plena é a pessoa votar e também ter o direito de ser votado".
A Proposta de Emenda Constitucional desse senador diz que para que alguém possa se candidatar avulsamente, deverá contar com o apoio e assinatura de pelo menos 1% dos eleitores aptos a votar na região que o concorrente disputará o pleito. Para Reguffe, sua proposta possibilitará uma reforma política que valoriza o eleitor e deixa de fortalecer as “maquinas partidárias” que, segundo ele, “muitas vezes opera em defesa de interesses privados”. A proposta do senador contou com a assinatura de muitos parlamentares de diversos partidos.

Em 15 de agosto de 2016 o advogado Rodrigo Mezzomo, que já foi filiado ao PSDB, fez o pedido de registro no TER-RJ para concorrer à prefeitura do Rio de Janeiro-RJ sem vinculação a nenhum partido político e baseou se posicionamento no Pacto de São José da Costa Rica, que tem o Brasil como um de seus signatários. Seu pedido foi negado na primeira instância, seu recurso negado, entretanto, o jurista levou a discussão até o Supremo Tribunal Federal que recebeu e determinou a repercussão geral do assunto. Neste caso, portanto, ainda não houve “ponto final”.

Em 20 de setembro de 2017 o Ministério Público do Estado de Goiás, ajuizou perante a 133ª Zona Eleitoral uma Ação Civil Pública com pedido de antecipação de tutela de urgência, alegando o direito que todo cidadão tem de votar e ser votado. Não obstante o constituinte originário ter recepcionado a obrigatoriedade da filiação, o Ministério Público, entende que o dispositivo é inconstitucional.

Posteriormente a juíza Ana Cláudia Veloso Magalhães, da 132ª Zona Eleitoral de Goiás, acolheu pleito da União dos Juízes Federais e decidiu em caráter liminar permitir as candidaturas avulsas nas eleições deste ano. O juiz federal, Eduardo Rocha Cuba, que apoiou a decisão; chamou a possibilidade de candidatura sem vinculação partidária de “uma vitória do povo”. Logo em seguida o TRE-GO suspendeu as decisões que autorizavam o registro de candidaturas avulsas.

O partido da Ex-senadora Marina Silva, REDE, decidiu ousar e lançar candidato independente a um cargo de vereador mesmo, o cidadão estando filiado ao partido. Pedro Markun, filiou-se a REDE, apenas por formalidade legal, garantiu a senadora que, se eleito, conforme o estatuto, não precisará seguir orientações de lideranças e nem devolver o cargo se optar por deixar o partido no exercício do mandato. Segundo ela, um dos ideais de seu partido é quebrar o monopólio partidário e possibilitar a horizontalidade no modelo da gestão pública.

4. SUFRÁGIO UNIVERSAL SÓ EXISTE COM A CANDIDATURA AVULSA

O sufrágio (do latim sufragium = aprovação, apoio) é lido com um direito público subjetivo de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e participar da organização e da atividade do poder estatal. É um direito que decorre diretamente do princípio que diz que o poder emana do povo.
Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes:
“O sufrágio é a essência do direito político, expressando-se pela capacidade de eleger e de ser eleito. Assim, o direito de sufrágio apresenta-se em seus dois aspectos: a capacidade eleitoral ativa (direito de votar) e a capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado).”
Esse é o pensamento, o posicionamento, a lógica de praticamente todos os constitucionalistas, obras e sites consultados. Todos convergem com o entendimento de que: “sufrágio universal é o direito de votar e ser votado”. Por óbvio, é seguro afirmar que existem dois elementos, necessariamente, indispensáveis para o conceito de sufrágio universal, qual seja: capacidade ativa (votar) e (como conectivo lógico de ligação) a passiva (ser votado). Desta forma, o sufrágio universal, não se limita ao ato de votar tão pouco somente ao de ser votado. É necessário que exista, pelo menos, os dois elementos.

Entende-se, baseando-se nesse raciocínio simples, que a capacidade passiva inseparável do conceito de sufrágio, é um direito somente daqueles que estão vinculados a alguma agremiação partidária. Os que não estiverem filiados, têm, no máximo, um “sufrágio parcial”, já que tem o direito de votar, mas não de ser votado.

Além do mais, não seria honesto usar o adjetivo “universal”, pois essa adjetivação somente é utilizada para algo geral, ou que se estende a tudo ou a todos, o que não é o caso, já que a capacidade passiva está limitada pela filiação.

Um raciocínio dedutivo, com premissas simples, pode ajudar a chegar a uma conclusão óbvia que pode ter passado despercebida por gigantes constitucionalistas do Brasil:
“Sufrágio Universal é o direito de votar e ser votado.
Sócrates tem direito de votar, mas não pode ser votado.
Logo, Sócrates não tem direito ao Sufrágio Universal.”


Parece haver grande contradição entre vários dispositivos dentro da própria Constituição Federal. Os dispositivos, aparentemente, não se combinam. Senão vejamos:
“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:”
São condições de elegibilidade, na forma da lei:
V - a filiação partidária;


Ora, se um dos requisitos para exercer a soberania popular disposta no caput do artigo 14 da Constituição Federal é através do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, sabendo que sufrágio universal é o “direito de votar e ser votado”, não seria teratológico dizer que a soberania popular só pode ser exercida, hoje, por quem estiver, necessariamente, filiado a agremiações partidárias.

José Afonso da Silva, no Seu Curso de Direito Constitucional Positivo, discorre sobre e deixa claro que o que temos no Brasil não é um sufrágio universal, mas uma forma de sufrágio discriminatório, tendo em vista que o sufrágio igual é descrito como sendo a:
“aplicação no campo do direito político, do princípio de igualdade de todos perante a lei. Em seu sentido mais abrangente, significa atribuir a todos iguais pressupostos para ser eleitor e para elegibilidade”.
Sobre esse mesmo ponto ele ainda anota:
“A igualdade do direito de ser votado constitui outro aspecto do princípio da igualdade do sufrágio. Caracteriza a desigualdade do direito da elegibilidade o fato de criarem-se condições discriminatórias para que alguém possa ser eleito a determinado cargo eletivo. Em princípio, pois, todo eleitor deverá ser elegível para cumprimento de mandatos, nas mesmas condições. Já vimos que não é assim no nosso Direito Constitucional, no qual eleitores analfabetos e menores de dezoito anos não são elegíveis a nada”.
No mesmo sentido é sua manifestação quando trata dos titulares do direito de sufrágio:
“O princípio deveria ser o de coincidência entre a qualidade de eleitor e a de elegível, mas, em verdade, nem todo eleitor é elegível. É que a elegibilidade (qualidade de elegível) depende do preenchimento de outras condições”.
José Afonso da Silva defende, portanto, que sendo o sufrágio universal, previsto no caput do artigo 14 da Constituição Federal, o direito de votar e ser votado, o mais democrático seria que todo aquele que tivesse capacidade ativa (votar) deveria ter capacidade passiva (ser votado) de maneira igual e sem barreiras. Ele considera, a meu ver corretamente, que o primeiro elemento do sufrágio (votar) é pressuposto do segundo (ser votado), já que no direito brasileiro ninguém tem o direito de ser votado (não é elegível) se não for titular do direito de votar (se não for eleitor).

Quando Alexandre de Moraes conceitua Sufrágio universal na sua obra Direito constitucional, ele também reafirma os dois elementos para que o sufrágio seja de fato universal e não o discriminatório, limitado pelo artigo 14º§ 3, V:
“Direito de sufrágio é a essência do direito político, expressando-se pela capacidade de eleger e de ser eleito. Assim o direito de sufrágio apresenta-se em seus dois aspectos:
A capacidade eleitoral ativa (direito de votar – alistabilidade)
Capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado – elegibilidade)”.

5. CONCLUSÃO

Por mais que alguns doutrinadores se esforcem para afirmar que o que temos hoje é o sufrágio universal, não podemos deixar de observar na própria lógica constitucional que o inciso V, § 3 do artigo 14 da nossa Carta Magna limita e discrimina o sufrágio que deixa de ser universal quando exige a qualidade de ser “filiado” para pleitear algum cargo eletivo. Qualquer cidadão, hoje no nosso país, só tem direito ao sufrágio universal se estiver filiado a alguma agremiação partidária. Caso contrário, ele tem apenas a capacidade ativa (votar), não sendo, portanto, contemplado com a universalidade do sufrágio.

Seria o mesmo que dizer que a soberania popular é castrada na medida em que não concordamos com nenhuma das impossíveis trinta e cinco linhas ideológicas, supostamente organizadas e ativas que, como vimos, nada mais é que uma herança do período varguista que utilizou de mecanismos antidemocráticos como esses para a manutenção do poder nas mãos de poucos.

Não se vislumbra nenhum tipo de prejuízo aos partidos políticos com a possibilidade de candidatura avulsa. Seria uma das maiores aberturas democráticas do país das últimas décadas e, sem nenhuma dúvida, o aperfeiçoamento da democracia no Brasil. Com esse tipo desobstrução das artérias democráticas, os brasileiros entrariam na mesma linha de países como Estado Unidos, Japão, França, Áustria, Islândia, Rússia etc., e sairíamos do grupo dos países que não às admitem, como Camboja, Uzbequistão, Angola, Tanzânia, Guiné, como afirma o jurista Rodrigo Mezzono. Esse mesmo advogado, e vanguardista do combate pelas candidaturas avulsas afirma que “a candidatura independente é a mãe de todas as reformas políticas”.

As candidaturas independentes são, na verdade, a regra nas maiores democracias do planeta. De cada dez países, apenas um não aceita esse tipo de direito. Isso ocorre porque o fato de partidos políticos, entidades de direito privado, terem monopólio de acesso a vida pública, é um claro absurdo jurídico. Seria algo como a privatização da cidadania plena, sustentada com dinheiro público.

Não é um ataque aos partidos políticos, é notório sua importância na evolução da luta por democracia no mundo. Mas, se é verdade que não se faz democracia sem os partidos políticos, em verdade é possível afirmar que: tão pouco somente com os partidos se faz a democracia.

Pierre Logan é formado em Direito Pelas Faculdades Metropolitanas Unidas. Filósofo, ensaísta e compositor. Gravou em 2015 o disco Crônicas de Um Mundo Moderno, onde misturou rock com filosofia. Também escreve para o Jornal SP em notícias. 





REFERÊNCIAS

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MONTORO, Franco. Estudos de Filosofia do Direito, 1999.
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Acessado em 02/04/2017
Acessado em 02/04/2017

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